A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender cerca de 500 mil ações que discutem a legalidade da contratação de trabalhadores como Pessoa Jurídica reacendeu o embate entre a Justiça do Trabalho e o STF. Para o senador Paulo Paim (PT-RS), um dos principais nomes da luta por direitos trabalhistas no Congresso, a "pejotização' é uma fraude e representa um "ataque radical e covarde" aos direitos dos trabalhadores.
"A pejotização enfraquece a CLT, compromete a Previdência Social, retira direitos básicos dos trabalhadores e tem como objetivo acabar com a Justiça do Trabalho. Não vamos permitir", afirma o senador. A fala de Paim se refere à prática, cada vez mais comum, de contratação de trabalhadores como se fossem empresas prestadoras de serviço, os chamados PJs, mesmo quando há relação de subordinação e jornada fixa.
Segundo o senador, isso mascara vínculos formais e serve apenas para reduzir encargos e impostos às custas de direitos trabalhistas e previdenciários: "É fraude, sim. O contratante mantém características típicas do vínculo empregatício, mas foge de suas obrigações. É uma forma que as empresas têm de não cumprirem as obrigações trabalhistas e recolherem, inclusive, menos impostos".
Crescimento da pejotização no Brasil
De acordo com estudos do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a pejotização quase dobrou no Brasil em menos de uma década, passando de 8,5% dos vínculos em 2015 para 14,1% em 2023. Estima-se que hoje cerca de 18 milhões de pessoas estejam contratadas como PJ. Um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que essa forma de contratação já causou uma perda de R$ 89 bilhões aos cofres públicos desde a reforma trabalhista de 2017.
Além do impacto fiscal, Paim alerta para os danos à Previdência Social e à segurança jurídica dos trabalhadores. "A precarização total das relações de trabalho é o caos. É um cenário onde o trabalhador só tem obrigações e nenhum direito, nenhuma segurança social e previdenciária", afirma.
Para Paim, o que está em jogo é muito mais do que a forma de contratação: "Estão tentando desmontar um sistema de proteção que custou décadas de luta. Eu fui constituinte. Vi de perto o esforço para construir a Constituição Cidadã. Não podemos deixar que seja rasgada agora".
Conflito no STF
Desde abril, Gilmar Mendes suspendeu todos os processos em curso na Justiça do Trabalho que discutem a legalidade de contratos entre empresas e pessoas jurídicas em relações que possam configurar vínculo de emprego. O argumento é de que os tribunais do país estão decidindo de forma diferente sobre o assunto e que é preciso esperar uma decisão final do STF, que vai valer como regra para todos os casos semelhantes.
Para Paim, trata-se de uma tentativa de esvaziar a competência da Justiça do Trabalho. "É um ataque à própria existência da Justiça do Trabalho, ao mesmo tempo em que estão rasgando a CLT e mutilando a Constituição Cidadã", reforça.
O senador também destacou que o Congresso atual é marcado por uma maioria conservadora que não favorece avanços trabalhistas: "O Congresso Nacional, Câmara e Senado são muito conservadores. O ambiente não é favorável a avanços e ampliação de direitos dos trabalhadores, pelo contrário. Mas, por outro lado, há um clamor popular pela redução de jornada de trabalho e pelo fim da escala 6×1".
Propostas legislativas de Paim
Paim é autor da PEC 148/2015, que propõe reduzir gradualmente a jornada semanal de trabalho de 44 para 36 horas. O texto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e já tem parecer favorável do relator, o senador Rogério Carvalho (PT-SE). Segundo o parlamentar, a proposta tem recebido apoio massivo nas redes sociais, mas ainda depende de pressão da sociedade civil para avançar.
Além disso, ele é relator do Estatuto do Trabalho (SUG 12/2018), uma proposta construída com entidades como a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que visa a reconstrução de uma "nova CLT", em resposta aos retrocessos da reforma trabalhista de 2017.
"O novo estatuto é um caminho na busca da dignidade humana, tendo como base a promoção dos direitos sociais e trabalhistas. É uma resposta à precarização causada pela reforma trabalhista, pela terceirização da atividade-fim e pela pejotização", explica o senador.