Igualdade entre homens e mulheres na Magistratura é palco de disputas e retrocessos, analisa a presidente da Anamatra

Juíza de Noemia fala sobre questão de gênero, em evento da Faculdade de Direito de Sorocaba

A igualdade entre homens e mulheres na Magistratura, ainda que com alguns avanços, por exemplo, na política associativa, ainda é um desafio e não pode ser contada com uma história de conquista gradual, progressiva e sem disputas ou retrocessos. A análise foi feita pela presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, na 3ª Semana de Inclusão - Thiago Bevilacqua Ramos, evento promovido pela Faculdade de Direito de Sorocaba (SP), nesta quarta (21/10).

Para Noemia Porto, a maior presença das mulheres na Magistratura do Trabalho, por exemplo, nem sempre tem significado a experiência de uma igualdade vista como substantiva. “Essa crescente participação não foi e não é transposta automaticamente para a presença no movimento político coletivo da Magistratura. As representações estereotipadas das mulheres e da esfera política devem ser consideradas nesta trajetória acidentada em busca da igualdade”, apontou.

Analisando o conjunto do Poder Judiciário brasileiro, a composição majoritária ocorre por magistrados do sexo masculino. Segundo dados de 2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a participação feminina na Magistratura, nos últimos 10 anos, foi de 37,6%” (2019). As dificuldades se estendem quando a análise avança para a ocupação de cargos de gestão e a presença em órgãos judiciários de grau superior. No caso dos tribunais superiores, o percentual de magistradas reduziu de 23,6% nos últimos 10 anos para 19,6%. Os indicadores consideram as magistradas em atividade nos tribunais superiores em 1988, a média dos últimos dez anos (23,6%) e o que foi apurado em 2018 (19,6%). No Tribunal Superior do Trabalho, há cinco ministras, em uma composição de 27. A última nomeação de uma ministra ocorreu em dezembro de 2014, a partir de uma lista tríplice composta exclusivamente por mulheres. De lá para cá, mais quatro vagas surgiram no tribunal, e as listas foram formadas exclusivamente com nomes de desembargadores.

Para a presidente, mesmo na temática da assimétrica ocupação de cargos na Magistratura, a questão não pode ser analisada de forma homogênea, à vista dos diversos ramos componentes do Poder Judiciário. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, as mulheres são maioria, com uma média de 50,8% de 1988 a 2018 e representam percentuais maiores em cargos de gestão, se comparado com outros ramos do Judiciário. “Mas, no caso da administração dos tribunais, os dados numéricos não foram combinados com uma importante análise, qual seja, o fato de que a regra, na maioria dos tribunais, é a da eleição dos magistrados e magistradas mais antigos”, explicou.

Nessa linha, para a presidente, tal maioria feminina na Justiça do Trabalho não traduz uma igualdade substancial, dependendo de fatores diversos, porquanto mesmo no ramo especializado há problemas relacionados à igualdade nas condições de trabalho e no desenvolvimento profissional na perspectiva de gênero. “Como em qualquer âmbito, a igualdade não é apenas uma questão de tempo. A Magistratura ainda é predominantemente masculina e não apenas na presença majoritária, considerando o conjunto da Magistratura, mas no modo como se organiza e se moldam as experiências do que é ser juiz”.

Pesquisas - A presidente também mencionou relatos das magistradas que foram considerados no âmbito do Grupo de Trabalho criado pelo CNJ, com a presença da Anamatra, para tratar da Resolução CNJ 255/2018 (política nacional de incentivo à participação institucional feminina no Poder Judiciário) e os debates ocorridos no 1º Curso Nacional “A mulher juíza: desafios na carreira e atuação pela igualdade de gênero”, ocorrido em maio do ano passado, em Brasília.

Entre os problemas apontados pelas magistradas de todos os ramos do Poder Judiciário estiveram problemas como: recusa de promoções na carreira que impliquem deslocamento para outras cidades; falta de estrutura física nos fóruns e demais locais para atendimento de crianças em idade que exige cuidado mais próximo; práticas sexistas de preferências masculinas pelo trabalho de homens em razão da possível gravidez das mulheres; falta de representatividade nos cargos e funções que são importantes para a definição dos rumos do Judiciário; dificuldades relacionadas às promoções na carreira e a falta de mulheres em bancas de concursos públicos.

A presidente mencionou ainda levantamento feito pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), revelando que, pelo menos 53,2% das magistradas do Trabalho que participaram da pesquisa foram alvos de atitudes discriminatórias no ambiente de trabalho apenas por serem mulheres. Para 37,2% das juízas, não há igualdade de oportunidades para participar de comissões e comitês; 35,9% não acreditam em igualdade para concorrer a cargos diretivos; 28,5% não veem igualdade para concorrer a mandatos associativos; e, segundo 29,6% das magistradas, não há igualdade de oportunidades para participação em atividades acadêmicas, mesmo quantitativo que acredita que o fato de ser mulher atrasa ou dificulta as promoções na carreira.

Nesse cenário, na avaliação de Noemia Porto, a Magistratura mais feminina do país ainda tem desafios pela frente para equacionar o desencontro entre a maior presença quantitativa no Poder Judiciário e a ausência de uma experiência profissional efetivamente igualitária. “Os sinais tensionados entre igualdade e desigualdade também se fazem presentes quando se trata da atividade política de representação da classe da Magistratura. Além disso, a igualdade formal e a maior ocupação de cargos não foram transpostas automaticamente para uma maior ambiência favorável ao exercício da liderança política pelas mulheres magistradas”, completou.

Para a presidente da Anamatra, a diversidade no Judiciário e nas associações é um tema que merece ser analisado, seja na prestação jurisdicional, seja no fortalecimento dos elos associativos. “O dilema da igualdade como primado da justiça, dentro do próprio sistema de justiça, com discussões abertas, e a sério, que abandonem naturalizações sobre o feminino, precisa se tornar uma pauta a ser assumida por magistradas e por magistrados, num contexto prático de efetividade”, finalizou.

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