GPTEC divulga carta aberta contra a desconstrução do sistema protetivo trabalhista e de combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil

Documento foi divulgado durante a XII Reunião Científica, realizada no Rio de Janeiro (RJ)

Os participantes Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo e questões correlatas (GPTEC), durante a XII Reunião Científica, realizada de 14 a 16/10, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgaram carta aberta em defesa do sistema protetivo trabalhista brasileiro e de combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Veja a carta na íntegra abaixo ou clique aqui para ter acesso ao PDF. 

CARTA ABERTA EM DEFESA DO SISTEMA PROTETIVO TRABALHISTA BRASILEIRO E DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Os participantes e as participantes do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo e questões correlatas – GPTEC, por ocasião da XII Reunião Científica, realizada nos dias 14, 15 e 16 de outubro de 2019, na Universidade Federal do Rio de Janeiro – campus Praia Vermelha, considerando as tentativas de desconstrução do sistema protetivo trabalhista e de combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil, vêm a público se manifestar nos seguintes termos:

  1. O direito ao trabalho, em condições dignas, está consolidado em diversos instrumentos internacionais e nos textos constitucionais contemporâneos, como um dos principais elementos para a plena fruição dos direitos humanos, em todas as suas dimensões (direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais), que são complementares.
  2. Em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o reconhecimento do progresso social e de melhores condições de vida como postulados de uma liberdade mais ampla, considerando a inter-relação entre igualdade, liberdade e trabalho. Nesse sentido, a Declaração dispõe sobre o direito ao trabalho, inserindo a livre escolha do emprego, em condições justas e favoráveis e a proteção em face do desemprego. Prevê, ainda, igual remuneração para igual trabalho, sem distinção (por motivo de gênero, orientação sexual, desigualdade de classe, religião, raça/etnia ou nacionalidade) e o pagamento de remuneração justa e satisfatória, que assegure ao trabalhador, junto com a sua família, existência compatível com a dignidade humana e a inclusão de outros meios de proteção social;
  3. O combate ao trabalho escravo contemporâneo se dá mediante a articulação de políticas públicas que previnam e reprimam esse crime, responsabilizem os violadores e resgatem a dignidade das vítimas, reiterando-se a relevância do fortalecimento dos órgãos responsáveis pela proteção do trabalho humano (Fiscalização do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho), para a adequada proteção do direito fundamental ao trabalho digno e do direito fundamental de não ser escravizado;
  4. No dia 09 de outubro de 2019, o Deputado Federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), apresentou proposta de extinção da Justiça do Trabalho como órgão especializado, para incorporá-la à Justiça Federal e apesar de o parlamentar não ter prosseguido na coleta de assinaturas, sabe-se que a extinção da Justiça do Trabalho é tema frequente no parlamento e propalado por alguns segmentos da sociedade.
  5. Dessa forma, posiciona-se contrariamente à proposta de extinção ou fusão da Justiça do Trabalho, por entender-se que qualquer iniciativa nesse sentido gerará irreversível desequilíbrio nas relações entre capital e trabalho, com evidente risco de violação dos compromissos internacionais assumidos pela República Federativa do Brasil na promoção do trabalho digno (v. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, 1998) e na não regressividade dos direitos sociais (v. art. 26 do Pacto de San Jose da Costa Rica), além do combate ao trabalho análogo a de escravo, ferindo Convenções Internacionais do Trabalho, principalmente as Convenções Internacionais fundamentais, como as relativas ao combate ao trabalho infantil (Convenção nº 182) e trabalho forçado e escravo (Convenções nº 29 e nº 105); a norma internacional que trata da não discriminação (Convenção nº 111) e sobre a redução dos riscos decorrentes do trabalho (Convenção nº 155), entre outras, já que todo o sistema protetivo e a Fiscalização do Trabalho estão sofrendo absoluta desconstrução.
  6. Assim, a extinção da Justiça do Trabalho, nos moldes em que constou da PEC apresentada pelo Deputado Federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), é inconstitucional, por não priorizar a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV da Constituição); por não contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, tampouco para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III da Constituição); por não garantir a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII da Constituição); por não considerar que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados certos princípios, entre eles a função social da propriedade (art. 170, III da Constituição) e por não considerar que a ordem social tem como base o primado do trabalho (art. 193 da Constituição), entre outras violações.
  7. O Ministério do Trabalho, depois de 88 anos de existência, lamentavelmente, foi extinto, no primeiro ato do governo por medida provisória, posteriormente convertida na Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019. As atividades relativas à Fiscalização do Trabalho ficaram vinculadas ao Ministério da Economia (art. 31, XXXIII), com a criação da Secretaria Especial do Trabalho e da Previdência, o que enuncia a continuidade da política de desmonte do sistema protetivo do Trabalho e deverá acentuar a já inadequada interpretação sobre o trabalho análogo ao de escravo.
  8. Ressalta-se que o trabalho desenvolvido pelos Auditores Fiscais do Trabalho é fundamental para a eficiência no combate ao trabalho escravo e que os resultados produzidos são fruto do empenho desses servidores públicos, diante do desmantelamento do setor. Nesse sentido, pontuam que, segundo dados oficiais, de 3.644 cargos existentes, 1.317 estão vagos4 e, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, são necessários 5 mil cargos para atender à demanda do país5 . O fortalecimento da carreira da fiscalização do trabalho revela-se então como instrumento indispensável para a erradicação do trabalho escravo e a promoção do trabalho digno no Brasil.
  9. O Ministério Público do Trabalho (MPT) registra que houve redução nas fiscalizações por conta de dificuldades orçamentárias, que atingem todo o sistema protetivo do trabalho e que, a falta de fiscalização impacta diretamente na precarização do trabalho humano e na própria atuação do MPT. Ressalta-se que o valor social do trabalho é fundamento da República Federativa do Brasil e a ele deve ser dada a importância que o constituinte o fez merecer.
  10. Entende-se que é necessário restabelecer a solidariedade, reforçar os coletivos, defender os trabalhadores (as) vulneráveis e impedir que eles tenham seus direitos anulados por práticas e políticas econômicas.
  11. As pesquisadoras e pesquisadores da XII Reunião Científica Trabalho Escravo Contemporâneo e questões correlatas reafirmam seu compromisso com tais lutas, cujo rol parece infindável. Sabe-se que o direito desses trabalhadores e trabalhadoras é produto de luta contínua, que se renova e se reconfigura a cada dia. Nenhum direito a menos!

Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2019.

 Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo – GPTEC Movimento Humanos Direitos - MHuD

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