“Judiciário tem dever de controlar a insuficiência da tutela normativa devida pelo legislador”

Jurista Guilherme Marinoni adianta detalhes de sua palestra no 16º Conamat, que acontece de 1º a 4 de maio em João Pessoa (PB)

Faltam quatro dias para começar o 16º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), cujo tema é “Uma nova sociedade. Um novo juiz do Trabalho.” Os palestrantes já estão devidamente preparados para suas conferências. Exemplo disso é o jurista Luiz Guilherme Marinoni, que falará sobre a função jurisdicional na criação do Direito. O palestrante é titular da Universidade Federal do Paraná, pós-doutor pela Universidade de Milão, Visiting Scholar na Columbia University e advogado em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).

Ele adiantou alguns detalhes de sua exposição.  Confira:


Portal Anamatra - O juiz tem a função de criação do direito quando a lei é omissa? Em que casos essa situação poderia ocorrer?

Luiz Guilherme Marinoni - A força da Constituição depende, em alguns casos, de normas infraconstitucionais. Não me refiro apenas às normas constitucionais que expressamente impõem, mediante termos variados, dever de legislar. O problema, na verdade, diz respeito às normas infraconstitucionais necessárias à realização ou à proteção de direitos fundamentais. Não existe razão para entender que o juiz tem poder para controlar a constitucionalidade da lei, mas não tem poder para controlar a falta de lei quando esta é imprescindível à tutela de um direito fundamental. A inconstitucionalidade da lei e da falta de lei, nesta dimensão, constituem duas faces de uma mesma moeda.

A lei que impede a realização dos direitos fundamentais constitui um obstáculo visível que deve ser suprimido, enquanto a omissão de lei, ao impedir a efetividade destes mesmos direitos, não deve deixar de ser considerada apenas porque, em uma primeira perspectiva, aparece como “invisível”. Tal invisibilidade é apenas aparente, porque se faz concreta quando o juiz conclui que a omissão representa uma negação de proteção a um direito fundamental. Nesse caso - como também naquele em que atua mediante o preenchimento das cláusulas gerais -, o juiz deverá atentar para a circunstância de que a tutela judicial não pode superar o meio que constitui o “mínimo indispensável”.

As normas de direitos fundamentais não definem a forma, o modo e a intensidade com que um particular deve ser protegido diante do outro. Em outras palavras, os direitos fundamentais, ao gerarem dever de proteção por parte do Estado, não dizem “como” esta tutela deve se dar. A Constituição possui, quando muito, disposições fragmentárias sobre as medidas de tutela que devem ser utilizadas à tutela dos direitos fundamentais. Pensar em “como” o Estado protege os direitos fundamentais é o mesmo do que considerar as providências que o Estado deve necessariamente tomar para tutelá-los (Luiz Guilherme Marinoni, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Ed. RT, 2012 – escrito com Ingo Sarlet e Daniel Mitidiero).

Como eu escrevo no “Curso de Processo Civil, v. 1” (São Paulo, Ed, RT, 2012, 6ª. Ed), e agora, recentemente, no “Curso de Direito Constitucional”, o Judiciário, além de ter dever de tutelar os direitos fundamentais, tem dever de controlar a insuficiência da tutela normativa devida pelo legislador. Na verdade, o controle da insuficiência tem, no raciocínio argumentativo judicial, o dever de proteção como antecedente lógico, no exato sentido de que o juiz, para controlar a insuficiência e impor o meio para a satisfação do dever de proteção, deve, antes de tudo, verificar se há dever de proteção a direito fundamental e, após, analisar como a legislação deve se manifestar para não descer abaixo do mínimo de proteção jurídico-constitucionalmente exigido. Nestes termos, o juiz, ao suprir a omissão de tutela a direito fundamental, não pode ir além do que é minimamente suficiente para garantir o dever de proteção. Ir além é adentrar em espaço proibido a quem tem incumbência de apenas controlar a insuficiência de tutela e, portanto, no espaço deferido ao legislador. Assim, fica fácil perceber que o juiz, em tais casos, está colaborando para a implementação do direito na sua plenitude, e não criando direito.

São frequentes as ações coletivas em que o legitimado, ao pedir a tutela de determinado direito fundamental de natureza difusa ou coletiva, deduz, como causa de pedir, violação para cuja não ocorrência seria necessária norma de proteção ou tutela. Também são comuns as ações individuais em que, sob o fundamento de direito fundamental não protegido normativamente, postula-se prestação fática que estaria a cargo do Estado. Perceba-se que a proteção de direito fundamental pode depender de norma impositiva ou proibitiva. Assim, é possível que, para a tutela do direito ambiental, do direito do consumidor etc., seja necessária norma impondo conduta positiva ou negativa ao administrado, para obrigá-lo, por exemplo, a instalar (norma positiva) tecnologia destinada a diminuir a efusão de gazes e poluentes ou a não comercializar (norma negativa) produto com determinada substância. Além disto, há situações em que a prestação estatal, embora de natureza fática, depende de norma atributiva de direito. É a hipótese dos medicamentos, em que o indivíduo, afirmando direito fundamental à saúde, postula, em face do Estado Administração, determinado remédio não disciplinado na legislação de regência. Portanto, os juízes são chamados, com frequência, a suprir omissões normativas que impedem a tutela de direitos fundamentais, embora se postem, nestas hipóteses, como se estivessem diante de um “caso qualquer”, em que não se alega inconstitucionalidade por omissão. Daí, consequentemente, não se perceber e anunciar que se está a fazer controle de constitucionalidade, ficando ao largo a aplicação das regras da proporcionalidade e de justificação da decisão, com perverso reflexo sobre a legitimidade da função jurisdicional.

Portal Anamatra - Quando o juiz faz isso, não estaria usurpando a função legislativa?
           
L.G.M. - Não. Na hipótese em que o juiz supre a falta de lei para prestar tutela a direito fundamental não há qualquer exceção à função jurisdicional. O que existe é mera decorrência da transformação, própria ao Estado Constitucional, do conceito de direito e da razão de ser da jurisdição. O direito deixou de ser sinônimo de lei e o juiz deixou de ter a mera função de declará-la. O Judiciário não toma o lugar do Legislativo, mas supre, dentro do seu delimitado espaço, o descumprimento do dever de tutela do legislador diante da Constituição.

Porém, é preciso lembrar que o Parlamento é o lugar da deliberação. Não há dúvida de que o Parlamento tem maior legitimidade democrática do que o Judiciário e, portanto, deve regular os dissensos existentes na sociedade, inclusive aqueles que pairam sobre a interpretação dos direitos fundamentais. O controle da constitucionalidade da lei, bem como da sua omissão, não legitima o Judiciário a assumir o lugar que, segundo a Constituição, é do Parlamento.

Portal Anamatra - Qual a importância de o juiz, a exemplo do que faz a Anamatra, ir até o Congresso Nacional em busca de aprovação de projetos que modificam a legislação? O parlamento está aberto e preparado para isso?

L.G.M. - Não tenho qualquer dúvida de que o Parlamento, como espaço de deliberação pública, está aberto e preparado para legislar. De nada adianta, nem mesmo para tentar justificar o avanço do Judiciário sobre o espaço do Legislativo, invocar os graves problemas de legitimidade que afetam os parlamentares, falando-se em “crise de legitimação” ou em “apatia política da cidadania”. Se algo está errado, é preciso fortalecer a legitimidade democrática, inclusive mediante o incentivo da participação do povo no poder. O cidadão e as organizações de classe devem estar presentes no Parlamento para discutir e ver as suas pretensões reconhecidas.

Portal Anamatra - O senhor tem mais alguma consideração a fazer sobre o painel que participará no 16º Conamat, “A função jurisdicional na criação do direito”, e o evento como um todo?

L.G.M. -  O Conamat é um evento de grande importância para a discussão de temas jurídicos e para o amadurecimento do direito. Os seus resultados amplificarão o diálogo na comunidade jurídica e trarão benefícios para o aperfeiçoamento da aplicação do direito no país.

 

 

 

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Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra
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