Juristas europeus defendem independência da magistratura

Jurista francês Denis Salas e desembargador português Alexandre Coelho falaram sobre recrutamento e formação de juízes

A programação científica do 6º Congresso Internacional da Anamatra teve início na manhã desta quinta-feira (17/3), no Centro Cultural Belém, em Lisboa, com painel que discutiu o recrutamento e a formação de juízes. O evento, promovido pela Associação e que termina amanhã, reúne cerca de 120 magistrados com o objetivo de promover a troca de experiências entre Brasil e Portugal.

O magistrado e jurista francês Denis Salas e o juiz desembargador português Alexandre Baptista Coelho, coordenador do Departamento de Relações Internacionais do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), foram os painelistas. Em comum, defenderam a independência da magistratura, o que pressupõe uma autonomia dos seus órgãos de recrutamento e formação. A mesa de debates foi presidida pela ministra do Tribunal Superior do Trabalho Kátia Magalhães Arruda.

Em sua intervenção, Denis Salas, que é especialista em questões ligadas à ética e à deontologia  junto ao Conselho Consultivo dos Juízes Europeus, fez uma explanação para o que denominou de “mutações da imagem do juiz na democracia contemporânea”. Nesse aspecto, apresentou pontos de tendência na Europa, em especial na França, no que diz respeito à formação e ao recrutamento, bem como os desafios ligados à questão.

Um dos aspectos destacado pelo jurista foi a questão da imagem política do juiz, que vem inquirindo em assuntos de natureza não jurídica. “Esse papel da magistratura foi muito importante em meu país”, ressaltou Salas. O magistrado deu como exemplo a atuação da magistratura no que tange aos assuntos ligados à corrupção, máfia e crime organizado que, segundo ele, acontecem muitas vezes “à custa de sacrifícios profissionais”.

Denis Salas também falou sobre mudança de imagem profissional do próprio  magistrado perante a opinião pública, citando o papel importante das entidades de classe, a exemplo da Anamatra, que transformaram a consciência que a profissão tinha de si própria. “O juiz já não é um só indivíduo que irá tomar uma decisão, ele é um ator coletivo”, destacou. Outro ponto levantado pelo jurista foi o fato de o juiz ser confrontado ao olhar crítico dessa opinião pública. “A autoridade da justiça não é mais confidencial. Ela é aberta para o mundo”, frisou.

Sobre o processo de recrutamento de magistrados na França, Denis Salas revelou que há uma crise profunda nos tradicionais modelos de justiça – o common law e o direito continental (de tradição latina, com base no Direito Romano). Nesse ponto, confrontou o modelo inglês, no qual os magistrados vem da carreira da advocacia, para o atual modelo francês, cujo recrutamento faz-se via concurso público. “O concurso foi para nós um progresso, porque não importam mais as relações ou as influências, mas sim o mérito”, disse, ao ressaltar a vantagem da juventude, do dinamismo, da organização em associações e sindicatos da nova geração de juízes. Salas também relatou mudanças mais recentes nesse ingresso, que passou a exigir uma idade mínima e testes psicológicos. “O juiz não pode ser apenas um técnico de Direito, mas sim um bom aplicador dele. É também um homem que precisa ter valores humanos. A dimensão psicológica e humana é importante”, disse.

Sobre os desafios para a formação do juiz e o seu exercício profissional, Denis Salas elegeu como prioridade o que denominou de “cultura nacional de independência”. “A independência não tem a ver com estatutos, mas com a organização profissional. Sem liberdade não há formação eficaz e independência do juiz”, destacou, ao defender que essa questão deve ser preservada ao lado da ética, do papel enquanto cidadão e do julgamento de acordo com princípios razoáveis. Para Salas, deve-se evitar qualquer tipo de influência do Poder Executivo dentro do Judiciário.

Centro de Estudos Judiciários
“Uma verdadeira escola para o exercício de funções soberanas e uma única entidade responsável pela organização do processo de seleção e formação de magistrados e pela definição dos respectivos parâmetros pedagógicos”. Essa foi a definição dada pelo juiz desembargador português Alexandre Coelho para o Centro de Estudos Judiciários (CEJ).

O painelista fez uma explanação detalhada do funcionamento do CEJ, que representa para o Poder Judiciário português a única escola de formação para os tribunais judiciais (comuns), para os administrativos e fiscais e para os integrantes do Ministério Público, cujos profissionais recebem um modelo de formação idêntico no que diz respeito ao conteúdo acadêmico.

O magistrado explicou o processo de admissão ao CEJ, feita através de via acadêmica (exigindo grau de mestre, doutor ou legalmente equivalente) ou via experiência profissional. Dentro desse processo, Coelho destacou a importância de cada fase (oral e escrita), ressaltando, em especial, a importância da fase de avaliação psicológica. “Para ser um bom juiz não basta ser um bom jurista. Há de ter um perfil psicológico, sensatez e uma postura profissional compatível com o exercício da função”, disse.

O desembargador também falou da função do CEJ em oferecer uma formação continuada aos magistrados e terminou sua intervenção, assim como Denis Salas, defendendo uma maior autonomia do órgão, atualmente inserido no Ministério da Justiça. “A Magna Carta [do Conselho Consultivo Europeu] tem princípios universais e expressa que a formação dos juízes deve, prioritariamente, ser deferida às instituições do Judiciário. O Poder Executivo não pode ter um peso demasiado importante nessa matéria, pois as intenções de interferência na independência dos magistrados pode vir a ser manifestada”, alertou.

Clique aqui para acessar a apresentação de Alexandre Coelho.

 

 

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