Um tema que pode impactar profundamente o mercado de trabalho e o sistema previdenciário está no Supremo Tribunal Federal (STF), que realizou uma audiência pública para discutir a legalidade da contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas ou autônomos - prática conhecida como pejotização.
O tema chama atenção por envolver mais de 15 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) e milhares de ações trabalhistas paradas à espera de um posicionamento da Corte, segundo informações da Associação Nacional das Magistradas e Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) apontam que cerca de 34,6 mil processos estão suspensos aguardando definição sobre o tema. A discussão ocorre no âmbito do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (ARE 1.532.603), relatado pelo ministro Gilmar Mendes, e pode alterar como empresas contratam prestadores de serviço sem vínculo empregatício formal.
Informações do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, entre 2022 e 2024, 4,8 milhões de trabalhadores demitidos com carteira assinada retornaram ao mercado como pessoas jurídicas, especialmente na modalidade MEI. Esse movimento gerou um impacto de R$ 61,42 bilhões em perdas para a Previdência Social e de R$ 24,2 bilhões na arrecadação do FGTS.
A prática tem sido considerada por parte da Justiça do Trabalho como fraude contratual, sobretudo quando são identificados os requisitos que configuram vínculo empregatício, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A controvérsia tem levado empresas a apresentarem reclamações constitucionais ao STF, questionando decisões que reconheceram o vínculo trabalhista mesmo com contratos civis ou comerciais.
"A pejotização tem gerado grandes reflexos na Previdência Social e no futuro dos trabalhadores brasileiros. O termo, cada vez mais presente no mercado de trabalho, descreve uma prática em que o profissional, que deveria ser contratado como empregado CLT, passa a atuar como pessoa jurídica, geralmente para reduzir encargos trabalhistas e tributários" explica a advogada Kesia Souza.
O que motivou o debate
O julgamento que motivou a repercussão geral envolve um contrato de franquia. Um ex-franqueado tenta obter o reconhecimento de vínculo de emprego com a franqueadora. No entanto, o Supremo decidiu ampliar o escopo da discussão para além do caso específico, incluindo a validade da contratação por pessoa jurídica ou autônomo, os critérios para caracterizar fraude e o ônus da prova nesses casos.
O ministro Gilmar Mendes indicou que o STF busca entender melhor os impactos econômicos, jurídicos e fiscais da pejotização, além de esclarecer as diferenças no tratamento tributário entre pessoas físicas e jurídicas nesse modelo de contratação.
A expectativa é de que a audiência ajude a medir a temperatura do debate e defina os próximos passos no julgamento, que poderá ter repercussões significativas no modelo de contratação adotado por empresas em todo o país.
A advogada explica que, na prática, a mudança no regime de trabalho traz consequências importantes quando o trabalhador é "transformado" em pessoa jurídica. Nesse caso, ele perde a proteção automática do regime celetista, que garante recolhimentos regulares e benefícios previdenciários completos.

