Críticas ao STF e a seus ministros são legítimas em uma democracia; sanções pessoais por divergências judiciais, não
A recente aplicação da Lei Magnitsky (Global Magnitsky Act) contra o ministro Alexandre de Moraes representa uma distorção grave do propósito original da lei e um sinal preocupante sobre os rumos da política externa americana. Trata-se de um uso excepcional de sanções internacionais - originalmente criadas para coibir violações sistemáticas de direitos humanos e atos graves de corrupção - agora mobilizadas, de forma inédita, por mera discordância com decisões judiciais proferidas por um magistrado do Supremo Tribunal Federal.
Críticas ao Supremo Tribunal Federal e a seus ministros são legítimas em uma democracia. O STF e o ministro Moraes têm sido negligentes na autocrítica que há muito podem e devem fazer e que boa parte da academia séria e democrática vem apontando há algum tempo, inclusive com propostas positivas de correção de rumos.
No entanto, sanções pessoais por discordância sobre decisões judiciais tomadas são inaceitáveis. A medida atinge diretamente a independência do Poder Judiciário brasileiro e fragiliza o princípio da soberania nacional, expondo um magistrado do Brasil a represálias internacionais pelo conteúdo de suas decisões.
Ainda mais inquietante é o duplo padrão revelado pela escolha dos alvos. Enquanto se impõe sanções a um juiz brasileiro em função de sua atuação jurisdicional, os Estados Unidos, ao mesmo tempo, retiram medidas restritivas contra agentes de regimes autoritários - como membros do governo de Viktor Orbán, na Hungria - envolvidos em violações persistentes aos direitos fundamentais. Esse descompasso enfraquece a legitimidade da Lei Magnitsky e compromete sua coerência como instrumento internacional.
Diante disso, o Brasil pode reagir em duas frentes. No plano diplomático, cabe ao Itamaraty tomar a dianteira. A emissão de notas de protesto, a convocação do embaixador norte-americano ou levar o tema a foros multilaterais são possibilidades de primeira hora.
No plano jurídico, o governo brasileiro pode contratar um escritório nos Estados Unidos para contestar a inclusão do ministro Moraes na lista de sanções, questionando a medida judicialmente com base em ausência de fundamento adequado ou violação ao devido processo legal.
No entanto, é preciso reconhecer que questionar judicialmente nos Estados Unidos a aplicação da Lei Magnitsky é um processo complexo e demorado. Litígios envolvendo a Lei Magnitsky nos EUA podem levar muito tempo. Além disso, por lá o Poder Judiciário costuma ser bastante deferente ao Poder Executivo em temas envolvendo segurança nacional ou política externa.
Ainda assim, ações judiciais são possíveis - e neste caso necessárias - , especialmente quando o sancionado demonstra que não teve oportunidade de se defender ou que a sanção foi baseada em informações falsas, políticas ou sem comprovação.
Embora as chances de êxito sejam limitadas, elas não são inexistentes. Há precedentes em que sanções foram parcialmente suspensas ou obrigaram maior transparência na fundamentação. A reação brasileira, portanto, deve ser firme, institucional e proporcional. Não se trata apenas da defesa de um ministro do Supremo Tribunal Federal, mas da defesa da integridade do sistema de justiça brasileiro e da soberania nacional.
A resposta do Brasil não pode ser omissão ou silêncio. Nossas instituições precisam funcionar e se manifestar em uníssono: Poder Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal), Poder Executivo (Presidência da República, AGU, Itamaraty), Poder Judiciário (STF e CNJ), a OAB e seu Conselho Federal, nossas instituições do sistema de justiça - Ministério Público (PGR, Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, CNMP), Defensoria Pública (DPU e DPE's), as Associações (AMB, Ajufe, Anamatra, ANPR) e a academia, sobretudo aqueles que têm pensado e discutido o Supremo Tribunal Federal (e nesta coluna do JOTA temos vários professores e professoras que têm se dedicado a isso).
Este é um daqueles momentos em que não basta confiar no acerto das próprias convicções - é preciso afirmá-las com clareza. O compromisso com a soberania nacional, a independência do Poder Judiciário e a legalidade internacional deve ser afirmado e reafirmado; com a serenidade de quem sabe que está certo e tem o direito ao seu lado, mas também com a firmeza - e a indignação - de quem enfrenta uma injustiça flagrante.