A cada ano que passa, casos notórios que se arrastam há décadas na Justiça brasileira ficam cada vez mais raros no noticiário. Mesmo com 80 milhões de casos em tramitação, a conclusão destes em um prazo de tempo razoável é, em grande medida, uma realidade - vitória alcançada com a Emenda Constitucional 45, que reformou o Judiciário como um todo, duas décadas atrás.
Desde então, a "razoável duração do processo" é uma garantia constitucional, prevista no artigo 5º da Carta, em seu inciso LXXVIII. O novo texto, fruto de um esforço concentrado dos Três Poderes por mais de uma década, moldou a Justiça brasileira como a conhecemos hoje: das garantias de uma justiça célere e de maior independência do Judiciário; da criação de órgãos de transparência e controle de tribunais e do Ministério Público; e novas fronteiras de atuação para a Justiça Trabalhista.
O julgamento de teses por repercussão geral no Supremo Tribunal Federal; a concepção da Justiça itinerante, que aproximou o juiz do jurisdicionado mais afastado; as sessões do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público. Tudo veio pela emenda da reforma do Judiciário.
"O novo instituto, igualmente fruto de intenso debate, com diversos exemplos encontrados no Direito Comparado, permitirá ao tribunal centrar sua atuação nos casos de maior interesse para a vida nacional", disse o então presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, no momento da promulgação, em 2004. O presidente do Congresso era José Sarney, que convocou a Constituinte em 1985 - para ele, o resultado do texto "foi resultado de consenso sobre o papel do Judiciário no Estado brasileiro".
E também de um esforço de quase 13 anos no Legislativo. Apenas quatro anos depois da Constituição Federal de 1988 ser promulgada, o então deputado federal Hélio Bicudo apresentou a proposta de emenda à Carta que serviu de base para os debates no Congresso Nacional. O texto original era enxuto e possuía ideias que acabariam abandonadas, tal como a ideia de escolha de um terço do Supremo Tribunal Federal por meio de lista tríplice, ou a criação de um Tribunal Regional do Trabalho para cada estado. Sua justificativa, no entanto, acabou sendo uma luz para os debates.
No primeiro substitutivo apresentado na Câmara, em meados de 1999, já estavam desenhados conceitos como a ampliação das competências da Justiça do Trabalho e o escopo de atuação do que viria a ser o CNJ e o CNMP. Em junho de 2000, o texto foi aprovado na Câmara dos Deputados. A proposta ainda ficou quatro anos no Senado, sendo promulgada apenas em 30 de dezembro de 2004, quando os Três Poderes firmaram um inédito pacto republicano, visando "um Judiciário mais Rápido e Republicano".
O Ministério da Justiça acompanhou o debate de perto, com uma secretaria própria para a reforma. Comandada pelo advogado Pierpaolo Bottini, a reforma teve um efeito indireto positivo pouco lembrado: uma das primeiras decisões do CNJ, ainda em 2005, foi a proibição do nepotismo dentro do Judiciário - que seria ratificada pelo STF no ano seguinte. "Pergunte a qualquer juiz que tinha parentes trabalhando no tribunal se a Emenda Constitucional 45 não está funcionando", disse Bottini em entrevista à revista eletrônica ConJur em 2006.
Ainda hoje, o texto é motivo de elogios dentro do Judiciário. "Nesses 20 anos, o CNJ tem prestado serviço valioso à Justiça, corrigindo dados, traçando políticas públicas e, eventualmente, punindo quem mereça ser punido", afirmou Luís Roberto Barroso, presidente do STF e do CNJ, ao abrir as comemorações dos 20 anos da emenda. Pelo lado da corte de controle, a sua própria existência permitiu um Judiciário mais igualitário, com mais mulheres em cargos de desembargadores, assim como um tratamento mais humano a pessoas trans e encarceradas.
Uma das facetas mais claras da reforma do Judiciário está na adoção da repercussão geral pelo STF. A adoção de filtros e de uma tese que atenda a casos semelhantes em todos os níveis abaixo da corte que assim o decidiu permitiu que o acervo de algumas cortes caísse de maneira estrondosa: o STF tinha 150 mil casos em seu acervo quando a repercussão geral foi criada. Em 2025, são 19 mil casos; metade foi atuado nos últimos quatro meses, e 70% nos últimos 24 meses, o que indica que a corte tem um volume reduzido de casos que aguarda decisão.
Dentro do STF, há outros ministros que veem a reforma com bons olhos. "Tivemos o fortalecimento deste vetor para o funcionamento da Constituição Federal de 1988, que tem sido um escudo contra o constitucionalismo abusivo", disse Flávio Dino, durante evento da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), no fim de 2024. "A jurisdição constitucional é muito virtuosa, e, por isso, é tão duramente atacada. Ela não é atacada pelos seus defeitos, mas pelas suas virtudes", prosseguiu o ministro.
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Corrêa da Veiga ingressou na principal corte trabalhista dois dias antes da entrada em vigor da emenda. Sua carreira no tribunal superior se confunde com a própria mudança no perfil da área, que ele atua há quase 40 anos.
"A Emenda Constitucional 45 aumentou a nossa competência", disse o ministro-presidente ao Anuário da Justiça. "No artigo 114, ela criou uma série de atuações, inclusive passando a nossa competência para conciliar, para julgar os conflitos decorrentes da relação de trabalho. Não mais relações de emprego, mas de trabalho."
Com o aumento da população e da massa de trabalhadores, uma justiça do trabalho alargada viu seu volume de trabalho também crescer de escala. Corrêa da Veiga vê a questão de maneira positiva. "A emenda ressalta a importância da legislação trabalhista, a importância do direito do trabalho para resgatar os princípios da dignidade da pessoa", concluiu.