BRASÍLIA - A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, manifestou ao presidente Michel Temer, nesta terça-feira, preocupação com o projeto de lei que pune o abuso de autoridade, a ser votado no plenário do Senado no dia 6 de dezembro. Para a ministra, a proposta que virou a menina dos olhos do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) representa o cerceamento da atuação constitucional dos juízes.
Acompanhada pelo presidente eleito da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme Martins de Oliveira Neto, Cármen Lúcia se encontrou com Temer, no Palácio do Planalto. O Estado apurou que, a pretexto de apresentar o novo presidente da AMB para Temer, a ministra externou o mal-estar do Judiciário com a perda de autonomia embutida no projeto em tramitação no Senado.
Mais cedo, em sessão extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a presidente do Supremo já havia criticado a tentativa em curso de criminalizar o Judiciário, mas não citou Renan. Juiz sem independência não é juiz. É carimbador de despachos, segundo interesses particulares; não garantidor de direitos fundamentais, segundo a legislação vigente, disse Cármen Lúcia, na sessão do CNJ. Criminalizar a jurisdição é fulminar a democracia. Há de se perguntar a quem interessa. Não ao povo, certamente. Não aos democratas, por óbvio.
O projeto que modifica a atual lei do abuso de autoridade é considerado prioritário por Renan, que na próxima quinta-feira enfrentará um julgamento no Supremo. Nesse dia, o plenário da Corte vai decidir se recebe ou não denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele, referente a uma investigação iniciada há nove anos.
O Ministério Público acusa Renan de pagar pensão para uma filha com dinheiro recebido da empreiteira Mendes Júnior. Se a denúncia for aceita pelo Supremo, ele pode virar, pela primeira vez, réu em ação penal. O peemedebista já é investigado oficialmente em 12 casos, a maioria deles no âmbito da Lava Jato.rena
Renan nega que sua ofensiva seja uma retaliação às diligências da Lava Jato. A lei vigente no Brasil foi editada em 1965, sob o governo Castelo Branco. Ela estabelece penas brandas, o que estimula o abuso de autoridade, disse ele, em entrevista à Coluna do Estadão. As leis têm que ser atualizadas no tempo da sociedade, e não no tempo das corporações.
Antes de conversar com Temer, Cármen Lúcia também recebeu apelos dos presidentes da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), João Ricardo Costa; da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, para que se manifestasse contra o projeto do abuso de autoridade e também contra a Comissão Especial do Senado que vai analisar os salários do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. O objetivo do colegiado é identificar servidores que estejam recebendo acima do teto constitucional, mas, na opinião de muitos juízes, a ideia é mais um "troco" dado por Renan contra a Lava Jato.
Vera Rosa, O Estado de S.Paulo