Antoine LYON-CAEN fala da evolução do Direito do Trabalho na França

Foto: Alexandre Alves

Professor diz que a política está impregnada da ideia de que o ramo é elemento fundamental para atratividade econômica

A segunda palestra do 9º Congresso Internacional da Anamatra foi proferida na manhã desta segunda-feira (20/2) pelo professor emérito da Universidade Paris Quest Nonterre la Défense Antoine LYON-CAEN, também presidente honorário da Association Française de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale e advogado perante o Conseil d’Etat e Cour de Cassation. A mesa foi presidida pela diretora de Formação e Cultura da Anamatra, Silvana Abramo, e pelo professor Antoine Jeammaud, da Université Lumière Lyon 2, a quem coube apresentar o conferencista.

O professor iniciou sua exposição falando das funções do Direito do Trabalho na França, sendo a primeira delas a de regulação da concorrência entre empresas e trabalhadores, surgida no final do século XIX, quando os trabalhadores começam a “exigir” salários mínimos, o que culminou com o surgimento das convenções coletivas por ramo de atividade, estabelecendo parâmetros mínimos legais para as relações laborais. “A partir dessa função, surgiu a noção de que existem mínimos direitos. Não são direitos que surgem, são normas sociais”, explicou. 

A segunda função, segundo o professor, é a de emancipação do trabalhador, surgida em meados da década de 80, reconhecendo e garantindo o exercício das liberdades fundamentais da pessoa humana em um patamar de dignidade. “Isso foi penetrando na lei francesa e nos próprios juízes, na própria ideia que eles tinham de Direito do Trabalho”, pontuou.  Segundo LYON-CAEN, é a partir dessa função que a linguagem do Direito do Trabalho se torna importante no país.  

Identificar a empresa e definir o seu modo de governo equivale à terceira função. O professor explicou que, na França, é uma função modesta, sobre a qual houve grandes ambições, em especial após a Segunda Guerra Mundial. A ideia era fazer uma empresa gerida parcialmente pelos trabalhadores, que teriam todas as informações necessárias. “É em torno dessa função que se discute o papel do Direito do Trabalho nas formas de organização da produção. O Direito do Trabalho vai se confrontar com as formas de organização da produção”, explicou, citando algumas proibições na França para a ruptura contratual, que não pode se justificar apenas com base no interesse dos acionistas por mais dividendos. 

Movimentos sociais – Na segunda parte de sua exposição, Antoine LYON-CAEN falou dos movimentos sociais recentes na França, que têm influenciado nas funções do Direito do Trabalho no país.  O primeiro deles diz respeito à preocupação do Governo com a manutenção da atratividade econômica do país para os investimentos de empresas nacionais e estrangeiras. “Há uma pressão para que as proteções e o custo da contratação sejam reduzidos”, pontuou. Segundo o professor, tem ganhado corpo no país, nos últimos 30 anos, a ideia de que o Direito do Trabalho tem um custo elevado.  Nesse aspecto, o professor explicou que as demissões têm sido fundamentadas, após a reforma trabalhista em agosto de 2016, com base nos motivos econômicos (não pessoais). “O resultado que se busca é evitar que o próprio juiz possa se pronunciar sobe esse aspecto”. Também havia na reforma, porém ainda não coroada pela lei, a ideia de estabelecer tetos para as indenizações. 

Outro movimento com reflexos nas funções do Direito na França é a priorização da autonomia das empresas. Nesse ponto, o professor explicou que algumas premissas continuam, como o salário mínimo, a convenção coletiva por ramo de atividade e a jornada de trabalho de 35 horas. “Mas a empresa tem uma capacidade de modular a duração legal por meio de negociação coletiva”, disse. Entre os exemplos dessa “manobra” estão a exoneração das empresas da obrigação de pagar as cotas da seguridade social quando do pagamento do salário mínimo. “A tendência é a de denunciar que o salário mínimo na França é alto, e que deve existir salários diferenciados por região, idade, etc.”. 

A instrumentalização do Direito do Trabalho a serviço de uma política do emprego é outro movimento social em evidência no país. Nesse ponto, o palestrante falou das duas grandes reformas trabalhistas na França (2013 e 2016), que se caracterizaram por mudanças em relação ao mercado de trabalho e não à produção, às relações laborais e à inovação empresarial. “A palavra que aparece mais é mercado de trabalho. O Direito do Trabalho deverá ser revisto a fim de tornar mais fluido o mercado de trabalho, ceder lugar à lei do mercado de trabalho. Ele não vai morrer, mas deverá transformar-se, mudar de pele”, explicou.  

Segundo o professor, esses movimentos têm sido muito profundos na França, pois os políticos precisam mostrar resultados na batalha contra o desemprego. “Isso está levando a revisões parciais de múltiplos aspectos do Direito do Trabalho nos últimos anos”, disse, ao citar o contrato de trabalho intermitente e as empresas de terceirização. “A reforma vem no bojo desta ideia que é tornar o custo de trabalho previsível”, disse. Outras mudanças surgidas com as reformas trabalhistas exemplificadas pelo palestrante foram alteração da competência dos juízes do julgamento de causas envolvendo a restruturação do trabalho e de demissão, que passou para a instância administrativa; e a redução das instâncias de representação dos trabalhadores na empresa para reduzir custos, com a exclusão, por exemplo, do setor responsável pela saúde e segurança. 

Na conclusão de sua palestra, o professor falou dos pontos de tensão que considera mais sérios no Direito francês da atualidade, sendo o principal deles o desafio de equilibrar a maior liberdade para as empresas com os direitos fundamentais dos trabalhadores. Na avaliação do professor as eleições na França terão o Direto do Trabalho como um dos principais temas de debate. “A vida política francesa dos últimos anos está impregnada dessa ideia de que o Direito do Trabalho é o elemento fundamental se quisermos manter a atratividade econômica do país”, analisou. 

* Texto produzido com a colaboração da diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra, Noemia Porto. Confira abaixo comentário da magistrada sobre os principais aspectos da palestra:

“O professor, ao abordar as funções do Direito do Trabalho ao logo do tempo, nos permitiu refletir como no Brasil precisamos avançar nos debates sobre o potencial desse Direito para além da regulação de um mínimo existencial. Isso aumenta a preocupação com reformas legislativas brasileiras que devem ocupar a agenda parlamentar nas próximas semanas, que atacam o patamar mínimo regulatório.

Dentre os exemplos que foram utilizados, ao menos um merece especial destaque. Na França, como no Brasil, seguem as reflexões de diversos atores sociais sobre o fato de que a ruptura contratual, a demissão do trabalhador, não poder se justificar apenas com base no interesse dos acionistas que pretendem receber mais dividendos. A tensão existe no direito dos trabalhadores, na preservação do emprego, e no direito que decorre da prerrogativa da governança das empresas. Ambas as circunstâncias devem ser consideradas sobre o direito de demissão, sem prevalência de apenas uma delas. Interessante essa observação, considerando recente polêmica no Brasil em torno da jurisprudência do TRT-17 sobre a Convenção 158 da OIT. 

Portanto, França e Brasil ainda caminham na tentativa de melhor equacionar a ideia de flexibilidade da empresa, de um lado, e os direitos fundamentais do trabalhador, de outro. Então, fica visível que uma reforma trabalhista autêntica demandaria incorporar, em qualquer país, não apenas demandas por flexibilidade, mas também formas de emancipação do trabalhador como sujeito de direitos fundamentais”.

 

 

 

Foto: Alexandre Alves

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