Os magistrados do trabalho brasileiros, historicamente, sempre combateram a terceirização de mão-de-obra, utilizada como forma de mera redução de custo e de precarização das relações de trabalho. Chegamos, porém, a uma época em que a terceirização passou a ser uma realidade no Brasil, até mesmo nos órgãos públicos. A consequência disso é a habitual falta de pagamento de direitos trabalhistas, fomentando um grande número de ações na Justiça do Trabalho.
Cláudio José Montesso
É bom recordar que o assunto continua ligado a escândalos envolvendo empresas prestadoras de serviços para órgãos públicos, os quais, não raro, são chamados a responder pelas dívidas trabalhistas que elas deixam para trás. Isso sem considerar que, muitas vezes, a terceirização acaba servindo para abrigar apadrinhados políticos no setor público, driblando a exigência constitucional do concurso.
O tema “terceirização” é bastante abordado dentro do Congresso Nacional, onde tramitam projetos de lei sobre o tema. Muitos deles expressam opções preocupantes e que estão na contramão do que se espera de um mercado de trabalho mais justo e menos assimétrico.
Uma dessas propostas é o substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei 4.302/98, que dispõe sobre o trabalho temporário em empresas urbanas e sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços de terceiros. Aprovada em outubro pela Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, ela amplia a possibilidade da prática da terceirização no País.
Tal projeto, que tramita em regime de urgência constitucional, é de autoria do Poder Executivo sob o comando do então presidente Fernando Henrique Cardoso, inspirado em modelo econômico neoliberal, que a atual crise não poupou. O presidente Lula, em seu primeiro mandato, encaminhou mensagem (MSC 389/03) pedindo o arquivamento do projeto, porém a mensagem não chegou a ser lida no plenário da Câmara até o momento.
O texto abre a possibilidade de a terceirização ser estendida ao meio rural, já que foi retirada do texto original a expressão “empresas urbanas”, o que é preocupante, pois, no campo, os trabalhadores têm menos acesso à informação e há menos fiscalização. Afora isso, também introduz o trabalho temporário no meio rural, que hoje não é possível, a não ser por safra, para a qual já há regulamentação específica.
O projeto também permite a terceirização para a atividade fim das empresas, contrariando, assim, arraigada posição da jurisprudência trabalhista cristalizada na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
Os trabalhadores terceirizados carecem de uma legislação que os ampare e os proteja dos abusos cometidos contra os seus direitos, tais como valores de salários diferenciados dentro da mesma empresa, até mesmo para atividades iguais. Além disso, não têm direitos sobre as negociações obtidas pelo sindicato do setor ao qual estão atuando e que são garantidos aos trabalhadores regulares, bem como a participação nos lucros e resultados que ajudaram a construir.
Em razão desse diagnóstico, que vai de encontro aos preceitos constitucionais de proteção ao trabalho, os magistrados do trabalho estão atuando no sentido de construir um anteprojeto de lei que ampare, de modo mais amplo, contratação formal e direta de mão-de-obra no País.
Paralelo a isso, uma comissão instituída pelo Ministério da Justiça vem trabalhando em parceria com diversas entidades, entre elas, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), para debater e elaborar propostas que auxiliem o governo federal a aprimorar e modernizar a legislação material e processual do Trabalho. Entre os assuntos discutidos está a terceirização da mão-de-obra. O projeto que será apresentado não substituirá o que está em curso no Congresso, mas poderá ser uma alternativa ao já aprovado pela comissão da Câmara dos Deputados.
Urge o momento de se dar uma resposta rápida e efetiva ao trabalhador. E isso só será possível por meio de uma legislação que conserve a dignidade do trabalhador e que garanta aos terceirizados o mesmo tratamento dado aos empregados diretos do tomador.
E esse debate deve ser feito sem os fundamentalismos econômicos superados pela recente crise econômica mundial. O único fundamentalismo a ser invocado é o da igualdade de direitos previsto na Constituição.
___________________
(*) Cláudio José Montesso é juiz do Trabalho, presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)